Em junho deste ano, eu recebi duas ligações de filhos para organizar a mudança de suas mães. As duas mulheres tinham a mesma faixa etária (de 60 a 70 anos) e, até onde eu sei, não se conheciam, mas estavam passando pela mesma situação: ambas estavam vencendo o câncer de mama.
Ouvir a história de cada pessoa é essencial para que eu entenda como o meu trabalho pode ajudá-la. Nas visitas de avaliação, eu descobri que elas tinham muito mais em comum do que esse histórico médico. Ambas eram viúvas, viviam em casas grandes e já haviam criado os filhos, que estavam seguindo a própria vida em outros lugares. As duas eram muito amadas e assistidas pelos filhos mas, naquele momento, tinha algo que as incomodava.
Elas haviam construído as casas onde moravam e vivido lindas estórias com as famílias durante muitos anos nestes locais. Mas o tempo passou, os filhos cresceram e se mudaram, os maridos se foram e, com a doença, elas entenderam que não queriam mais viver ali. Já não fazia mais sentido para o atual momento de vida em que se encontravam. Elas eram gratas por todos os anos passados nas casas, mas algumas memórias tinham se transformado em um peso que elas não queriam mais carregar. Além disso, o tempo, a energia e o dinheiro investido na manutenção de uma casa grande era algo que não estavam mais dispostas a fazer.
Com a doença, elas perceberam que o tempo delas estava acabando (como o de todos nós seres humanos). E agora era hora de pensarem em si mesmas e como fariam para aproveitar esse tempo. Então, decidiram que queriam ter menos trabalho, menos obrigações e mais liberdade para viajar e se divertir com a família e as amigas. Isso mesmo!!! Viajar, conhecer novos lugares e pessoas pelo mundo. Sem preocupações, sem cobranças.
Tomada esta difícil decisão, era hora de arrumar as coisas e mudar de casa. Mas para que elas pudessem começar a viver a nova vida que estavam desenhando, precisavam decidir quais objetos seriam merecedores de ir com elas para a casa menor.
Porque é simplesmente disso que se trata o desapego: decidir o que é importante continuar na sua vida e deixar o restante ir embora.
Esse processo de rever cada objeto mexe muito com as lembranças e as emoções. É muito natural e muito comum haver um pouco de resistência e procrastinação no momento do desapego, porque nem sempre as emoções são boas, mas, apesar da dor e saudade, elas fazem parte da história de todas as pessoas e precisam ser acolhidas. E, para isso, essas duas mulheres me pediram ajuda. A organização externa seria fundamental para que elas olhassem para dentro de si mesmas e começassem a se organizar internamente.
Antes de começarmos a triagem dos itens, elas me avisaram que os medicamentos que estavam tomando poderiam causar sonolência, desânimo e tontura e que poderiam ter que parar o projeto no meio e descansar um pouco antes de retomarmos. Eram efeitos colaterais desagradáveis, mas comuns, que elas aprenderam a tolerar e a conviver com eles; e tiveram todo o cuidado de dividir comigo, colocando mais um tijolo na nossa relação de confiança. Neste momento, eu as tranquilizei dizendo que não tinha problema algum, faríamos no tempo delas.
Com todo cuidado e respeito, junto com elas, eu fui entendendo a importância de cada objeto, fui conhecendo a história da vida de cada uma delas, as viagens, os jantares e aniversários em família, os cachorros e gatos, as compras que fizeram, os vestidos que usaram em ocasiões especiais, as conquistas, e algumas das perdas. Aos poucos, as duas foram desapegando, cômodo a cômodo, e percebendo que tudo aquilo se tratava apenas de objetos feitos de madeira, papel, vidro, tecido, plástico. Não tinham vida. Nós é que colocamos as nossas emoções e lembranças em cada item, nós que os classificamos como importantes ou não.
E nós, mulheres, ainda temos a tendência de preencher o vazio deixado pelos filhos quando eles crescem e saem de casa para viver a própria vida. Como não temos mais a presença deles diariamente, preenchemos esse espaço com móveis e objetos para, dessa forma, acalentarmos os nossos corações. Porém, nós sabemos que o resultado esperado não é alcançado, já que não se pode substituir os filhos por coisas.
No final do processo de triagem/desapego elas já estavam tomando as decisões mais facilmente e se sentiam mais leves. Uma delas até confessou que ficou surpresa porque não sentiu os efeitos colaterais dos medicamentos em nenhum momento. A outra, porém, sentiu um pouco mais o cansaço, pois o tempo que ela tinha antes de se mudar era muito curto e precisaria realizar a triagem mais rapidamente, o que consumiu mais a sua energia.
Em poucos dias, com a minha ajuda, elas organizaram suas gavetas internas, aceitaram e agradeceram por tudo o que viveram naquelas casas, despediram-se no tempo delas e mudaram-se para seus novos lares para começarem a nova vida que tanto buscavam.
É um trabalho tão lindo esse de ajudar a organizar as gavetas internas das pessoas. Eu me sinto honrada e grata pela confiança de poder participar dessa transformação. As duas clientes não sabem, mas também me ajudaram a organizar algumas das minhas gavetas internas. É uma cura recíproca.
Cada cliente me ensina algo. E essas duas mulheres guerreiras me ajudaram a valorizar ainda mais o tempo aqui na Terra. Não devemos esperar a doença vir para começarmos a amar a nossa vida. Vamos viver intensamente o aqui e o agora! Vamos nos jogar na vida, amar de coração aberto, mostrar nossos sentimentos, realizar tudo o que sempre sonhamos!
O Outubro Rosa é uma oportunidade para nós, mulheres, olharmos para nós mesmas, ainda que por apenas alguns instantes. Vivemos tempos difíceis. Há muita informação por todos os lados e nos sentimos cobradas para darmos conta de equilibrar os nossos pratinhos da vida: esposa, filha, irmã, mãe, profissional, estudante e mulher. Infelizmente, o papel de SER mulher na sua essência e integralidade acaba ficando por último mesmo.
A você que está lendo esse texto, eu só tenho um pedido a fazer. Pare! Apenas pare alguns minutos do seu dia de 24h e olhe para dentro. Organize suas gavetas externas e internas, decida o que é importante e o que pode ser passado para frente. Respire! Reconheça-se! Cure-se! Pare de agradar todo mundo e comece a agradar a você mesma, em primeiro lugar!
Como dizia Carl Jung: “Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, desperta”.
Viva o presente! Desfrute! Seja feliz!
PS1: Eu comecei o meu processo de cura interna quando comecei a organizar o meu mundo externo. Hoje, vivo uma vida mais minimalista porque acredito que as experiências têm muito mais valor que os itens materiais. As relações com as pessoas são mais importantes que a posse das coisas. E entendo que missão é ajudar as pessoas através da organização do mundo externo, liberando tempo para que elas organizem as suas próprias gavetas internas e vivam uma vida mais plena e feliz.
PS2: Se você está encerrando algum ciclo e está confuso(a) por onde começar, não tenha medo de dar o primeiro passo. E, se mesmo assim, precisar de alguém te ajude no processo, pode contar comigo! A organização é a melhor ferramenta para conectar o seu mundo exterior com o interior. =)